Você sabia que até meados do século XVIII pouquíssimas pessoas no Brasil falavam a língua portuguesa? Ou seja, da chegada dos portugueses em 1500 até 1750 aproximadamente – um período de dois séculos e meio – quase ninguém falava português nas terras de cá, além dos portugueses.

Nessa época a população era constituída majoritariamente por povos nativos, negros escravizados e mestiços. E a língua utilizada por essas pessoas para se comunicar era a língua geral, baseada no tupi. Os portugueses que vinham para cá precisavam aprender esse novo idioma – que inclusive foi a língua utilizada pelos jesuítas para catequisar a população local.

O português passou a ser mais disseminado no Brasil a partir de 1757, quando o Marquês de Pombal, ministro do rei de Portugal, entre uma série de outras medidas para restringir o poder da igreja, proibiu o uso da língua geral e tornou o uso e ensino da língua portuguesa obrigatórios no Brasil.

Então façamos uma continha. Digamos que a população local conseguiu assimilar bem o português em aproximadamente dez anos – pense aí quanto tempo você levou para aprender uma língua estrangeira bem o suficiente para se comunicar com clareza. E lembra das aulas de inglês? Você falava com seus amigos em idioma estrangeiro quando a professora não estava olhando, sendo que podiam conversar tranquilamente em português? Pois é…

Vamos supor que em 1770 já havia bastante gente falando português. Hoje estamos em 2023. Isso significa que faz só uns 250 anos que a maior parte da população do Brasil fala português. Ou seja, ainda não ultrapassamos o tempo em que se falou língua geral no país. Abalados?

E se essa informação – e minha continha extraordinária – ainda não foram o suficiente para sacudir alguns alicerces por aí…Estima-se que em 1500, na chegada dos portugueses ao Brasil, havia mais de 1200 línguas e dialetos falados aqui. Então some a língua geral à multiplicidade de idiomas dos povos originários e dos povos africanos escravizados, em sua maioria de origem Banto e Iorubá, que foram trazidos para cá. Uma sopa de letrinhas com muito caldo.

De acordo com o censo, hoje o número de línguas e dialetos nativos do Brasil caiu para 274, consequência da dizimação de povos inteiros e suas respectivas línguas e visões de mundo. O vídeo Resistência Indígena, parte da exposição “Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação”, do Museu da Língua Portuguesa, trata o assunto de forma didática e emocionante.

Tenho pensado muito sobre tudo isso desde que estive no Museu da Língua Portuguesa pela primeira vez algumas semanas atrás.  A visita tardia, adiada pelo incêndio e pela pandemia, foi a fonte dos fatos que mencionei acima, e me comoveu bem mais do que esperava. Ironicamente, ainda não encontrei palavras para descrever o motivo.

Acredito que tenha muito a ver com identidade. Referência. Reconhecimento de si pelo idioma. Ou pela simples constatação de que talvez o português seja um mero detalhe na nossa realidade de povo brasileiro. O guia do museu repete a ideia de língua como cosmovisão. Quantos mundos cabem no entendimento de mundo desse povo das terras brasilis? Visite o Museu da Língua Portuguesa e descubra.

PS: Para o jornalista, professor e sociólogo Muniz Sodré, a cosmovisão africana nos permeia para além das palavras e se propaga em nosso modo de habitarmos nosso corpo. Em entrevista para o documentário “Sankofa – A África que te habita”, ele defende que “a cosmovisão africana não se sustenta somente pela palavra ou pela verdade. Ela se sustenta pela força de poder realizar as coisas. Essa força chama potência. É o que os baianos e iorubás chamam de axé. Então o axé é uma coisa que o corpo tem que se acumula, que se conquista na relação com os mais velhos com os mais novos, que depende de caráter”.

Há quem acredite que a origem da palavra samba é semba, do quimbundo, umbigada, uma forma de dança tradicional. Outros dizem que samba na verdade vem de reza, e que hoje o temos como uma tradição nacional porque incorporamos os rituais e os sagrados aos nossos corpos, movimentos e ritmos.

Museu da Língua Portuguesa

Estação da Luz

Praça da Luz, s/nº

Centro, São Paulo – SP

De terça a domingo, das 9h às 16h30 (permanência permitida até 18h).

 Ingressos

Inteira – R$ 20,00

Meia-entrada – R$ 10,00

Grátis aos sábados*

Crianças até 7 anos não pagam*.