Exausta das músicas que ando ouvindo, escolho uma playlist preparada especialmente para mim pelo Spotify. Começo a me exercitar no elíptico – já faz alguns anos que o joelho não me permite a esteira (ou ao menos essa é a desculpa que adotei). Em poucos minutos percebo que a sugestão do Spotify é meio que um Frankenstein das minhas próprias listas e de outras coisas que ouço repetidamente. Checo as outras opções da plataforma. O mesmo acontece. Decido tirar o fone e aceitar o que quer que estiver tocando na rádio da academia.

De maneira semelhante, também ando cansada do conteúdo do Instagram. Parece que minha bolha compartilha o mesmo meme ad eternum. Juro que tem coisa ali em cartaz na bandeja de stories há uns bons dez meses. E o humor sem nenhuma graça que agora todo mundo quer fazer. E os anúncios. Cada vez mais numerosos. Tudo bem, são cuidadosamente pensados para mim. Cliquei umas semanas atrás na página de uma empresa que vende maquiagem sólida. Agora enquanto tento saber das últimas sobre os meus amigos e conhecidos, sou bombardeada por anúncios de batons em todos os formatos, sabores e cores possíveis.

As plataformas de redes sociais repetem em uníssono que o principal objetivo é tornar nossa experiência cada vez mais personalizada e positiva. Não sei quanto a vocês, mas ando querendo justamente o contrário disso. Uma experiência despersonalizada. Andar incógnita por aí. Escolher os assuntos dos anúncios e das sugestões que vocês querem me mostrar? Prefiro não ver nenhum anúncio ou sugestão. Pode ser?

 

Preferências em anúncios e conteúdos – bom para quem?

 

Não é segredo para ninguém que os dados sobre nossas preferências pessoais e previsões de comportamento são o grande trunfo das plataformas de redes sociais. Essas informações são valiosíssimas para anunciantes e empresas que desejam entender o comportamento do consumidor para lançar novos produtos e serviços. Então a experiência ser minimamente agradável para mim não é exatamente uma boa ação. Quanto mais o conteúdo for baseado nas minhas preferências, mais tempo permanecerei na plataforma, mais anúncios consumirei e mais dados serão coletados…para que outros anúncios personalizados possam ser direcionados a mim.

Tentei levantar alguma informação sobre quantidades de anúncios no Instagram atualmente. Misteriosamente, a última vez em que a plataforma divulgou aberta e claramente esse dado foi em 2017 – em março eles chegaram em 1 milhão de anunciantes, e logo em seguida, em setembro, atingiram a marca dos 2 milhões de anunciantes ativos por mês. A sensação de vemos cada vez mais anúncios e conteúdos pagos é provavelmente mais que um mero palpite bem-informado.

Diferentemente de anúncios publicados em revistas, outdoors ou propagandas televisivas, anúncios online, em particular aqueles veiculados em redes sociais, são baseados em preferências. Algoritmos e aprendizado de máquina coletam todas as informações que você fornece, direta ou indiretamente, e te mostram os anúncios e conteúdos com os quais há mais probabilidade de que você interaja.

Esse tipo de anúncio é amplamente “vendido” para nós, usuários de redes sociais, como de alguma maneira melhores que os anúncios convencionais – afinal, agora os anúncios são personalizados e temos algumas escolhas quanto à forma de exibição e conteúdo dos anúncios. Interessante notar também que se antes víamos anúncios em programação de entretenimento feita com grandes investimentos por grandes empresas, sem nossa participação, hoje vemos anúncios no meio de conteúdos que nós mesmos produzimos, via de regra sem recebermos nada por isso – a não ser que você seja um influenciador. E de quebra ainda fornecemos gratuitamente detalhes sobre as nossas preferências.

 

Algoritmo, viés e censura

 

Quando conteúdos e anúncios são geridos por algoritmos, aprendizado de máquina e inteligência artificial, é difícil explicar as razões por trás dos resultados. Quedas dramáticas no engajamento para certos conteúdos significam que a qualidade do conteúdo não é boa, ou que estou sofrendo algum tipo de sanção ou censura? Ou, ainda, seria uma forma de a plataforma me encurralar para que eu aumente meus investimentos em conteúdo impulsionado?

O funcionamento detalhado dos algoritmos é obscuro e muda o tempo todo, até por conta do aprendizado de máquina. A governança centrada nas plataformas, que não querem – ou não podem – detalhar de forma clara como e porquê conteúdos aparecem ou não para os usuários afeta não somente os usuários comuns, mas também produtores de conteúdo profissionais e até mesmo anunciantes. A falta de regras específicas e de controle no funcionamento do algoritmo inclusive acendeu debates importantes, como o papel do algoritmo como reforçador de viés.

Um outro exemplo da insegurança dos usuários quanto à governança das plataformas de redes sociais é a disseminação da informação de que elas se utilizariam de shadowbanning para diminuir o alcance de certos tipos de conteúdo, sem nenhum termo de uso ou política para explicar o funcionamento de tal mecanismo.

O Instagram sempre negou a existência de shadowbanning. Em maio deste ano a empresa manifestou, por meio de seu blog, que é do interesse da plataforma que os conteúdos publicados sempre alcancem seu público e que, levando em consideração as preocupações sobre a transparência de funcionamento, criou recursos como o Status da Conta, para ajudar criadores de conteúdo a entender por que um conteúdo de sua conta pode não se qualificar para as recomendações. Cabe aos usuários acreditar nas explicações oficiais das plataformas – ou não.

 

Liberdade nas redes sociais – tem como ser anônimo?

 

A chateação com a falta de privacidade, anúncios e conteúdos selecionados especialmente para mim – leia-se playlists repetitivas e uma dezena de anúncios de batom natureba – me levou a investigar se, dentre todas as escolhas e preferências oferecidas, havia a opção de ser uma usuária anônima – ou ao menos colocar algum limite no registro de informações a meu respeito. Fui dar uma olhada em mais detalhe nos termos de uso e políticas de privacidade da Meta, ver se encontrava alguma brecha.

Descobrir que as plataformas fazem parte de programas de participação revogável estabelecidos pela Digital Advertising Alliance, pela Digital Advertising Alliance of Canada e pela European Interactive Digital Advertising Alliance. Ao menos em teoria, isso significaria que seria possível aos usuários cancelar o recebimento de anúncios de todas as empresas participantes, tanto em aplicativos quanto em versões web. Na prática não é bem assim que funciona. No Brasil, ao menos, não encontrei nenhuma possibilidade de uso de um Instagram sem anúncios, por exemplo.

Quanto aos conteúdos sugeridos, o Instagram fornece a opção de pausar por trinta dias os conteúdos recomendados no feed. Mas não há nada remotamente próximo à possibilidade de acesso anônimo, sem que o aplicativo saiba minhas preferências e preveja meu comportamento.

A página “Como ver mais conteúdos interessantes” do Instagram traz o seguinte texto: “É importante para nós que você se sinta bem com o tempo que passa no Instagram. Por isso, estamos sempre trabalhando em maneiras de aumentar seu controle sobre o que vê”. Contraditoriamente, nunca me senti com menos controle sobre o conteúdo que consumo quanto agora. Lembrei do grupo de adolescentes que confundiu o algoritmo em 2020 ao criar contas compartilhadas no Instagram. Talvez seja uma opção. Alguém aí disposto a compartilhar uma conta comigo?

 

Plataformas vêm e vão, assim como a linguagem empregada por cada uma delas. Empresas e usuários precisam se adaptar às regras do jogo, mas é importante lembrar que elas não são permanentes. Ainda usando o Instagram como exemplo, basta lembrar que inicialmente a plataforma e suas possibilidades eram completamente diferentes do que temos hoje. E é difícil mensurar o quanto as plataformas mudam por causa do comportamento e necessidades dos usuários, ou o quanto na verdade são os usuários que modificam seus hábitos conforme as propostas e objetivos das grandes plataformas. Então se antes um incentivo para se investir em anúncios de redes sociais seria porque elas são colaborativas e, em tese, menos invasiva, essa percepção já não se sustenta. Embora o retorno por investimento de publicidade nas redes sociais seja alto, é importante as empresas não perderem isso de vista.

E tudo isso para dizer que, com a possibilidade de transitar pelos aplicativos totalmente incógnita parecendo um sonho cada vez mais distante, aceito sugestões de playlist. Me ajudem a não desistir dos exercícios de cardio.