Dia 25 de julho é dia do escritor. Desde 1960. Mas só soube disso agora. Postagens de alguns amigos e conhecidos sobre a data me fizeram revisitar minha história.

Quem é redator também é escritor? Normalmente tudo começa com o sonho de o ser. Às vezes realizado ainda que de forma parcial, nas horas vagas, com auto publicações e contos de mais de quatro laudas que os amigos não vão ler. Pouquíssimos irão. Para ser escritor precisa ter leitor?

Aliás, o que define um escritor? Quantidade de textos produzidos? Ser ou não ser…publicado? Frequência da escrita? Algum índice de quantidades de palavras redigidas por semana, mês ou ano?

Olhar para a página em branco e se sentir uma farsa. Quem foi que disse mesmo que eu era boa nisso? As professoras me pediam para ler minhas redações em voz alta na infância. Sentia as bochechas queimarem mas aquela satisfação de quem tem uma certeza. Me fechava no quarto por tardes a fio, lápis e caderno. Queria ser escritora. Mas depois não sabia mais o que seria, pensava em tudo o que não gostaria de ser. Não conseguia imaginar desejar permanecer pelo menos oito horas por dia sentada, fechada em uma sala iluminada por luz branca fluorescente muito clara enquanto minha cara se transformava num pálido esverdeado.

A grande paixão, mesmo, veio anos antes da escrita. Leitura. Isso foi coisa da minha mãe, que foi mãe ainda adolescente e de vez em quando tinha que nos levar com ela nas aulas da faculdade. Letras. A música veio do meu pai, mas as palavras vieram todas dela. A jovem mãe estudante que se entusiasmava tanto com os textos do curso que acabava os lendo para a filha de cinco anos. Ansiava saber ler sozinha, checar com meus próprios olhos e entendimento a tal história das formigas que montavam o esqueleto de um anão em um quarto de pensão, na calada da noite.

Jornalismo aconteceu porque escrever me parecia a única coisa minimamente tolerável, e desculpem a falta de romantismo quando o digo. Querer, mesmo, eu queria ver o mundo, mas para isso eu precisaria de dinheiro. Emprego. Fui fazer outras coisas, que pagavam melhor, mais rápido. Jornalista, mesmo, de profissão, acabei nunca sendo. Mas de novo aquela sensação lá do começo, que causava certo rubor. Textos com cada vez menos correções dos professores – nenhuma gramatical, diga-se de passagem – notas altas. E quando acabou eu tinha um dinheiro guardado do emprego não jornalístico e eu fui. Aliás o que eu mais fiz desde então foi – ir. Embora.

Algumas cidades, empregos e caminhos de vida me afastaram da escrita. E por vezes dos livros – muitos ficaram por aí, espalhados por onde já morei, pois não são coisas fáceis de se carregar quando se vai para muito longe – mas são coisas que nos levam para longe até quando devemos permanecer, vejam vocês. Mas aquela certeza sempre me acompanhou.

Quando voltei, foram muitos retornos. Para mim, para minha língua materna, minhas referências e cosmovisão. Encontrei o caminho de volta para as palavras. Ou elas me acharam. Porque por mais que eu já estivesse ganhando a vida escrevendo sobre materiais de construção e recursos humanos e cultura pop, e volumes de palavras surgissem das pontas dos meus dedos sobre os teclados diariamente, ainda havia a ânsia de colocar algo de mim no papel. Olhando por esse aspecto, talvez haja uma pitada de narcisismo na escrita a qual me refiro.

Escrever eu escrevo todos os dias já há muito tempo. Mas essa outra escrita, que é quase pedaço de carne exposto no papel – é isso, vou chamar de a outra – é toda cheia de hiatos. Às vezes é enxurrada, golpe, ímpeto. Às vezes é nó na garganta, agitação, inquietude. Muitas vezes é silêncio, espaço vazio.

Sempre carreguei cadernos comigo pra deixar transbordar as impressões sobre acontecimentos. Sintoma de quem se ocupa muito da movimentação dentro da própria cabeça? Não é o que você conta, mas como, já haviam me dito. Percebi isso com Grande Gatsby. Não achei o enredo particularmente envolvente. Mas a forma como Scott Fitzgerald desenrola a trama é de não desgrudar os olhos da página desde as primeiras três linhas até o final do livro.

E essa tem sido a meta. Não, não escrever o próximo Grande Gatsby, nunca fui de ambições – e pretensões – de tal tamanho. Mas contar trazendo para tão perto que fique difícil saber se quem pensou fui eu ou quem me lê. Almejando uma certa perplexidade pelo se reconhecer. Escolher com esmero os recortes e retalhos. Fazer uma curadoria de palavras, sentidos, entrelinhas – estrelinhas? – e tudo o mais que há. Penso que escrever é tramar. Encontrar o fio da meada quantas vezes for preciso.

Ser escritor para mim é muito mais sobre ser leitor. Observador. Às vezes do outro; outras mais numerosas, de si mesmo. Encontrar a medida certa de disciplina e coragem. E o que está sempre ali não é algum superpoder misterioso, um talento nato, uma formação acadêmica. É a iminência. A gente vive com a certeza de sempre haver um texto na ponta da língua, esperando a ocasião certa para se materializar.

Feliz dia dos que escrevem, com o atraso de uma vida inteira. E obrigada aos que nos leem, ainda mais nesses tempos de atenção tão curta e dispersa – e incentivam.