Tive uma ideia de algo que gostaria de escrever a respeito enquanto tomava banho. Banhos quentes e lentos, um lugar de ideias brilhantes, vapor e eventual queda de pressão. Já era noite, me preparava para dormir. Amanhã escrevo. Nem vou anotar nem nada, vai ser fácil lembrar. Esqueci, é lógico. Algo sobre leitura, óculos? Nossa relação com livros?

Ainda culpo a pandemia por uma certa lentidão mental. Pelos esquecimentos. Pela ocasional dificuldade em articular as ideias. Ou mesmo pelo sumiço delas. Ideias. Mas sinto que está um pouco fora de moda falar desse assunto. Covid, pandemia, isolamento. Quem mais aí jurou que seguiria usando máscaras em lugares públicos mesmo quando “tudo acabasse”, e agora tá pronto pra se jogar mais uma vez no carnaval? Pois é.

Aquela data em que fomos avisados que precisaríamos ficar reclusos em casa por um tempo está pra fazer aniversário de cinco anos. Um pequeno período de reclusão, que de prorrogação em prorrogação se tornou dois anos e um tanto. Não faz três anos, ainda, que as coisas voltaram ao normal. Normais novos e velhos, adaptados e adaptáveis. Altamente digitais.

Mas voltando aos esquecimentos. Também pode ser o envelhecimento. Antes da pandemia eu não usava óculos – e note, cada vez que escrevo “antes da pandemia” me sinto como uma negacionista dos tempos atuais, da alegria de podermos ir e vir, estar com os nossos, festejar. E juro que não é minha intenção. Só que às vezes me pego tentando entender o que mudou. Em mim. Em nós. De vez em quando estar viva ainda é sobressalto, e ainda sorvo contatos visuais com voracidade. Mas ainda há dias em que o cérebro parece funcionar mal, a solavancos. Ocasiões em que pego o celular para consultar uma informação necessária ao preenchimento de um formulário, e quando dou por mim, já me perdi em rolagens e feeds e stories – e me esqueci completamente da tarefa em mãos.

Na verdade, acho que esse texto ia ser sobre óculos. Ou sobre leitura. Alguma coisa sobre ainda não ter conseguido concluir Anna Karenina, apesar de gostar tanto de ler, e colocar a culpa na necessidade de óculos de leitura, apesar de agora, em posse de tal item atualmente essencial, ainda não ter retomado a saga. Mas vamos dizer que virou um texto sobre esquecimento. Sem querer remoer memórias ruins, muito menos ser ranzinza, sigo achando que precisamos falar, de vez em quando, na companhia de uma xícara de café quente e uma fatia de bolo, sobre o fato de que num passado não muito distante, ficamos um tempão presos em casa. E o que isso fez, e ainda faz, com a gente.

PS: E pensar nisso tudo me traz à mente o poema Retrato, da Cecília Meireles, que é um dos meus favoritos desde a adolescência.

 

Eu não dei por esta mudança

Tão simples, tão certa, tão fácil;

-Em que espelho ficou perdida

a minha face?