Tem quem ache que insistência traz conversão. Em mim, causa aversão.

Eu poderia muito bem estar falando de feminismo ou de carnaval – o momento é propício; a conjuntura política, também. Mas estou falando de vendas, mesmo. De comunicação. Reza a lenda que estamos em um momento revolucionário do marketing, na era do marketing de conteúdo, um jeito muito menos invasivo de se comunicar com o cliente que o tal do “marketing tradicional”. Uma maneira de falar sobre sua marca que respeita o (prospectivo) cliente, dá mais opções. Oferece o engajamento, e o cliente só aceita se quiser.

De fato, a ideia é que, no neo marketing, quem procura a marca é o cliente – a marca só facilita o encontro, sinaliza que está disponível. Um novo approach de comunicação e vendas, menos intrusivo, largamente disseminado tanto entre as grandes empresas quanto entre empreendedores solitários mais antenados – pelo menos em termos de jargão. Marketing de conteúdo. Inbound marketing. Por que é, então, que eu me sinto violada de muitas maneiras toda vez que abro minha caixa de e-mail, atendo o telefone, visualizo minha conta nas redes sociais, vou ao mercado?

Confesso: andei me aventurando. Engajamento online. Troquei meu endereço de e-mail, meu nome e talvez meu telefone e data de nascimento por algum ebook por aí, por acesso a artigos de assuntos mil. Assinei alguns newsletters. Interessei-me sem grande paixão por um webinar, flertei com dois ou três podcasts. Mas eu estava somente experimentando, sendo leve, casual. É amor livre que fala?

O que exatamente eu procurava? Acesso livre momentâneo a um mundinho de informações. Não queria compromisso sério, sequer assinei contrato algum – com letras de qualquer que fosse o tamanho. Por que, então, vivo com o constante sentimento de ter vendido minha alma ao diabo? Estou sempre cheia de questionamentos. De onde jorram esses e-mails me tratando pelo primeiro nome, como se eu fosse uma amiga íntima, me fazendo a gentileza de me lembrar que eu aparentemente esqueci de comprar algum produto ou serviço?

O que são todas essas mensagens na minha caixa de entrada, frisando a importância desse ou daquele assunto a respeito dos quais “eles” (essa entidade suprema) sabem que eu li? O que faço com essas dúzias de chamadas engraçadinhas, às vezes com erros de português, e noutras, erros no código de formulação, que ao invés de completarem a piada pronta com o meu nome e, presumidamente, o do Patrick, apresentam campos como <tutor name> <dog name>.

Esse é o Patrick. Lindão, né?

E as redes sociais, então? A gente parou de assistir televisão, em partes pra se livrar dos comerciais, em partes, da programação de qualidade questionável, totalmente vinculada aos patrocinadores. Quanta propaganda engolimos passivamente nas redes sociais diariamente, enquanto observamos despretensiosa e distraidamente as fotos dos nossos amigos e conhecidos, enquanto curtimos fotos de cachorrinhos (o Patrick aqui está cheio de expectativas), e, mais uma vez, fornecemos alguns dados de acesso às nossas preferências e à nossa vida?

Em algum lugar no meio do caminho entre o marketing tradicional e o inbound, deixamos de ser indivíduos e nos tornamos personas. Personas desavisadas (ou não) que engajaram voluntariamente com marcas online e, ao invés de encontrarem o conteúdo encantado, ao fornecer o email, viraram leads. O conteúdo se tornou, em uma triste maioria dos casos, mera isca pra conseguir informação de acesso direto e poder insistir na venda até a exaustão de uma das partes.

O importante não é a mensagem em si, mas o quão capaz ela é de atrair presas. De ser interpretada por bots de ferramentas de busca. Influenciadores do tema propagam a ideia de que a régua de relacionamento precisa ter um início mais próximo da última interação voluntária, ser mais frequente, abranger um período de tempo mais longo. Também ficou a cargo da equipe de vendas “brifar” o time de comunicação sobre o que escrever, e como, com o intuito de maximizar as conversões.

Empresas promovem o marketing de conteúdo para outras empresas e para empreendedores, mas o que menos importa é o leitor-pessoa. A métrica do sucesso da campanha é a geração de leads, o número de conversões. É aí que se decide se a campanha está dando o famosíssimo retorno no investimento (ROI). Pouco se fala como o conteúdo produzido e veiculado afetará a percepção da marca como um todo e a reputação, questões muito mais qualitativas e de impacto no longo prazo.

Onde estão os ebooks sobre conteúdo de qualidade e experiência do leitor – leitor humano, mesmo, não robôs de ferramenta de busca? Cadê as dicas sobre produção de textos envolventes, gramática, pesquisa de embasamento, e até de respeito ao espaço e privacidade do cliente em potencial? Estão virando o marketing de conteúdo do avesso (por vezes, a privacidade do cliente também) e criando um monstro ainda mais perverso e invasivo, que opera de maneira muito parecida com a venda de listas de contato.

Assim como eu dar meu número de telefone pra um date não me obriga a nada, fornecer meu email e alguns dados pessoais para uma empresa também não. E, similarmente, se uma pessoa com quem eu inicialmente não queria nada sério ficar usando o acesso que tem a mim (número de celular, endereço) para me importunar, vou me sentir desrespeitada, talvez acuada. O que há de inovador, atraente ou inteligente em empresas agirem assim?

O verdadeiro marketing de conteúdo diz respeito ao…conteúdo. Conteúdo diz respeito a leitores. O uso de dados pessoais ajuda e facilita, pode e deve ser utilizado de forma inteligente, mas o perigo é que a morada do limite é sempre discutível. Agora, se você está investindo maciçamente em marketing de conteúdo e reduzindo leitores a leads, sinto informar que você está fazendo isso errado. Você pode conseguir algumas vendas no início, mas no longo prazo conquistará para sua marca uma taxa de aversão comparável à de um assediador. E a pergunta que perturbará o seu cliente será: como faz pra dar unmatch?