Já dizia um professor meu: escrever é trabalho de ourives. Também o diz uma amiga inglesa, jornalista e escritora, que adotou o nome “wordsmith”, em uma brincadeira com seu sobrenome e a profissão de “artesã das palavras”. Sagaz, na minha opinião. Faz-me lembrar daquela anedota de que Michelangelo dizia que não fazia esculturas: elas sempre estiveram no mármore; ele apenas removia o que era desnecessário.

Revisar não me é um talento, tampouco um hábito, nato. Durante muito tempo na minha vida eu mal reli o que havia escrito, que dirá revisar. Anos de textos para o jornal da faculdade entregues para o editor sem sequer uma revisão prévia da minha parte – eu já sabia que o artigo ia voltar cheio de marcações em vermelho para alterações, de toda forma. Trabalhos mais autorais digitados e publicados diretamente em plataformas de blog, sem que eu dedicasse o tempo e o espaço para realizar pequenos reparos, acertar os detalhes onde, dizem, mora o diabo.

Afinal, eu sabia gramática. Sabia escrever sem erros de ortografia. Estava convencida do brilhantismo do meu organizar de ideias, da minha argumentação. Da clareza do meu discorrer. Levou algum tempo – e mais incorreções em trabalhos enviados ou publicados do que eu gostaria – para entender que é o trabalho de ourives que separa o joio do trigo. Não importa que a ideia na cabeça do autor pareça fantástica – se a transcrição para o papel não for impecável, o leitor, maior prejudicado da história, irá perceber. Revisão é sobre a experiência do leitor, em última instância. E é a experiência do leitor que determina se um texto é bom ou ruim.

Hoje posso dizer que a revisão se tornou uma das minhas etapas favoritas no processo de criação de textos. Sim, porque hoje a revisão foi promovida a uma etapa todinha sua, para a qual dedico um tempo específico e certos rituais. Não gosto de revisar textos no mesmo dia em que os escrevo, e por ora ainda posso me dar a esse luxo. Evito passar qualquer trabalho escrito para frente – mesmo que seja apenas para um colega dar um palpite – antes que o texto tenha sido revisado. Revejo e altero no mínimo três vezes, com algum intervalo entre revisões. Ainda assim, nem sempre o processo é infalível.

Revisar o próprio texto não é tarefa fácil. Não importa o quão bem você saiba o português ou qualquer outra língua. Não importa o quão bom escritor você se considere. Há uma série de fatores que dificultam a revisão, mas talvez o mais importante deles seja uma questão do próprio cérebro.

Escrever é formular ideias e conexões entre essas ideias – ou seja, uma tarefa altamente complexa. Nosso cérebro está programado para se poupar enquanto realizamos tarefas complexas, não se apegando a detalhes tão pequenos. Mais tarde, quando relemos o que acabamos de escrever, nosso cérebro já antecipa o caminho que traçamos na nossa mente, o percurso pelo qual queríamos conduzir nosso leitor com as palavras, e preenche as eventuais lacunas para nós.

Vocês já devem ter visto memes e mensagens na internet que demonstram que conseguimos ler um parágrafo inteiro de palavras escritas com as letras completamente fora de ordens, ou sem as vogais. É uma capacidade incrível do cérebro, que automatiza e facilita muitas das atividades que realizamos no dia a dia. Infelizmente, prejudica nossa capacidade de revisar.

A teimosia também é uma inimiga da revisão, na minha humilde opinião. Para escrever com precisão, não é necessário saber todas as regras gramaticais de cor e de trás para frente, mas é preciso um tiquinho de humildade para admitir ter dúvidas e pesquisar. Ter humildade inclusive para pesquisar até quando temos certeza, para questionar aquilo que sabemos com a maior convicção. Olhar as palavras na tela e repetir o mantra “só sei que nada sei, especialmente desde o novo acordo ortográfico de 2009, que só se tornou obrigatório em 2016”. Aceitar as correções do Word é uma boa dica – questioná-las, uma melhor ainda!

Também tem o problema da grafia popular incorreta, tão disseminada que acaba gerando dúvidas quando escrevemos corretamente. O jeito certo de escrever o nome daquele queijo muito popular é muçarela, e o coco que vende na praia é sem acento, mesmo. Por ora, de por enquanto, é sem o h. Om, só sei que nada sei.

Trabalho de ourives. Escrever bons textos é trabalho de artesão, e revisar é parte imprescindível dessa arte. Livre-se da ilusão de que é possível escrever bem sem revisar. Caso nada do que disse acima tenha sido suficiente para te convencer, digo mais três palavras: ego do autor. Nada o fere mais que ser pego no pulo, digo, no erro (mas se alguém apontar uma incorreção, reveja a dica sobre humildade, e o texto). Por isso, bola pra frente, gramática em punhos, concentração, e mãos à obra.