Um dos assuntos quentes dos últimos dias foi a decisão do Instagram de testar no Brasil a ocultação das curtidas das postagens para os usuários. A plataforma já tinha começado a realizar esse teste no Canadá no ano passado, e agora resolveu aplicar o novo formato na Austrália, Brasil, Irlanda, Itália, Japão e Nova Zelândia.

Caso você seja uma das raras pessoas que não entra todos os dias nas redes sociais (oxalá eu ser assim também), ou não percebeu nada de diferente: o que mudou é que agora o Instagram não mostra mais o total de curtidas para todos os usuários. Quem recebe as curtidas é notificado, mas o total deixou de ser público.

De acordo com a equipe de comunicação do Instagram, essa alteração é uma das muitas medidas que a plataforma pretende tomar para assegurar a saúde mental de seus usuários, especialmente os mais jovens, de 14 a 24 anos. Questionamentos sobre o impacto negativo das redes sociais na saúde mental de seus usuários já vêm sendo levantados há algum tempo. Em 2017, uma pesquisa britânica realizada pela Royal Society of Public Health (RSPH) apontou o Instagram como a rede social mais nociva à saúde mental dos jovens.

Mas o que muda com o fim dos likes?

A declaração oficial do Instagram é que ocultar as curtidas vai ajudar os usuários a focar na qualidade do conteúdo publicado, ao invés de serem distraídos pela popularidade (ou não) de cada postagem. Depoimentos de usuários demonstram que muitos não se sentem à vontade para postar o que bem entenderem, por medo e vergonha de receberem poucas curtidas. Há também a questão da curtida por reação em série – os usuários tendem a curtir o que já foi curtido várias vezes, e vice-versa. Ocultar o total de curtidas seria uma maneira de deixar todo mundo mais à vontade para produzir conteúdo na plataforma, sem a ansiedade de números e comparações, e sem a pressão por ter uma aparência e uma vida perfeitos, criando assim um ambiente mais salubre.

Mas e os engajamento tudo?

Curtidas são apenas uma das formas das audiências engajarem com o conteúdo postado no Instagram. Aliás, as curtidas são a forma mais superficial de engajamento – não precisa pensar muito pra clicar no coraçãozinho. Os usuários continuarão a marcar amigos, compartilhar e comentar quando o conteúdo for realmente interessante, visualizar stories, reagir, mandar mensagem privada. E as curtidas continuarão lá! Só os totais que não serão mais públicos. A dúvida é como vai ficar a fórmula mágica que faz com que postagens apareçam no feed de mais pessoas, pois sempre se divulgou que o número de curtidas entrava nesse cálculo. Mistério.

Para quem usa o Instagram para promover marcas, projetos e ideias, as métricas quantitativas continuarão todas lá, para análise. Mas esse é um momento propício para dar mais atenção ao qualitativo. Os números estão aí para nos ajudar, mas não contam toda a história. E como todo mundo sabe, não dá pra jugar um livro pela capa, nem um perfil de rede social pela quantidade de seguidores, ou número de curtidas em cada postagem.

 

E os/as blogueirinho/a tudo?

Vão continuar existindo. Alguns estão dando um jeitinho de burlar o sistema, publicando totais de curtidas nos stories … Agora é aguardar para ver que tipo de ação vira tendência. Nada impede os blogueiros de enviarem suas métricas diretamente para potenciais patrocinadores, sem a necessidade de publicar esse dado no Instagram – muitos blogueiros foram inclusive criticados pela solução, digamos, criativa.

Quem quer investir em divulgação por meio de influenciadores terá que pensar em maneiras mais sagazes de medir a possibilidade de conversão. Já pensou que talvez se torne mais fácil medir o sucesso das postagens e direcionar sua mensagem, ao invés de mais difícil? Já imaginou que talvez o número de curtidas seja uma nuvem de fumaça, que dificulta o acesso às informações que realmente importam sobre o desempenho do conteúdo? Pois é.

Já tem bastante gente postando “jeitinhos” de continuar vendo as curtidas, também. Por algum motivo, ainda consigo ver os totais a partir de uma das minhas contas, mas juro que é totalmente acidental!

Então o Instagram é bonzinho?

Uma das linhas de conversa é se de fato o Instagram está preocupado com a saúde mental e felicidade das pessoas, se está tentando só evitar processos bilionários, se vai tentar ganhar dinheiro de alguma forma com essa alteração, ou um pouco de cada.

O Instagram tem sido consistente em seus esforços de comunicação, comprometido em se mostrar uma marca consciente e flexível desde que as críticas negativas se tornaram mais ferrenhas. Embora a questão das curtidas tenha ganhado mais notoriedade, a plataforma está trabalhando também em medidas para prevenir o bullying online. Um dos mecanismos em estudo é um alerta que o usuário receberá antes de postar conteúdo que for identificado como potencialmente ofensivo, tendo alguns segundos para pensar duas vezes antes de prosseguir com a postagem. Outra ferramenta em fase de teste é a opção de categorizar contatos como restritos, possibilitando restringir a interação sem ter que passar pela saia justa que pode ser bloquear ou excluir alguém.

Por outro lado…há quem diga que a iniciativa de omitir as curtidas é para inibir o comércio de likes e incentivar a adesão às ferramentas pagas de divulgação da própria plataforma, como o impulsionamento. Haveria ainda a possibilidade de a plataforma poder oferecer versões premium pagas tanto para os usuários comuns quanto para as páginas de negócio, com acesso aos totais de curtidas e mais detalhamentos das métricas de engajamento – o que acho pouco provável, já que fazer isso seria péssimo para a reputação do Instagram e seria um tiro no pé após tanto esforço para consolidar a imagem de uma empresa consciente. Ainda assim, por mais que a própria plataforma admita que ainda está engatinhando, dando os primeiros passos de uma longa jornada pela frente, para que de fato os encaremos como uma empresa ética, eles ainda têm bastante a responder, em especial sobre o uso de dados pessoais. Além disso, não adianta muita coisa esconder as curtidas e continuar divulgando links patrocinados com conteúdo pouco ético de empresas que se aproveitam de vulnerabilidades individuais e utilizam distorções da autopercepção para promover vendas – vide alguns casos da indústria de cirurgia plástica, coaching, indústria fitness e de beleza, dentre tantas outras.