Precisamos conversar (de novo) sobre relacionamento com o cliente

Em menos de uma semana do lançamento, o site “Não me perturbe”, da Anatel, teve mais de 1,5 milhão de solicitação de cadastros de pessoas que não desejam mais receber chamadas de telemarketing das operadoras de telefonia, internet e TV a cabo.

Não é nem o caso de ser uma iniciativa inédita (ao menos no estado de São Paulo): o Procon já havia lançado em 2009 o canal “Não me ligue”, que serve para cadastrar números de telefone para bloquear ligações de telemarketing de qualquer segmento. O canal do Procon, inclusive, foi estipulado por lei, a estadual 13.226 de outubro de 2008, que entrou em vigor no início de 2009.

Há dez anos já existe um canal para os usuários bloquearem as intromissões do telemarketing. Há pelo menos dez anos já foi identificado que as pessoas acham incômodo receber ligações não solicitadas, vendendo produtos ou serviços. Foi criada uma lei para proteger o direito de privacidade e tranquilidade dos usuários, ao menos no que diz respeito ao seu número de telefone. Tendo isso em mente, não é estranho pensar que há empresas investindo uma parcela do seu orçamento de comunicação e marketing para sabidamente incomodar seus clientes?

É de se imaginar que há algum sucesso em conversão em vendas no uso de telemarketing – as empresas já teriam abolido essa ferramenta se as métricas usadas para avaliar o retorno ao investimento estivessem mostrando resultados desfavoráveis, certo? Porém, a reflexão que gostaria de sugerir é: qual a medida de incômodo intencional e desrespeito a que você está preparado a submeter sua audiência para conseguir fechar uma venda? E como medir o impacto negativo desse incômodo?

O consumidor quer saber cada vez mais sobre a empresa com a qual escolhe fechar negócio, para muito além dos produtos e dos serviços oferecidos. É a questão da reputação das marcas, que nós não cansamos de mencionar. Que tipo de empresa é a sua? Quais são suas crenças, seus valores? A empresa é ética? Testa em animais? Utiliza mão-de-obra mal remunerada? Tem boa ou má reputação como empregadora? Apoia a diversidade e a acessibilidade, como prestadora de serviços, fornecedora, empregadora e empresa parceira? Paga seus impostos? Suas operações têm impactos negativos para a comunidade onde está inserida?

Sendo assim, como justificar empresas que não demonstram empatia pelo cliente em potencial? Talvez o uso de telemarketing na régua de comunicação seja um exemplo extremo, mas observem o dia a dia de vocês, como consumidores. Quantas vezes por dia vocês se sentem invadidos por empresas? Em quais canais? Quantos e-mails vocês recebem com alguma informação pessoal no título, uma chamadinha tentando ser descolada, mas que você sequer abre, porque sabe que é pra vender alguma coisa? E o whatsApp? Já não passaram por situações em que forneceram o número do celular para uma situação bem específica, e a pessoa/empresa se aproveitou do seu dado para te bombardear com mensagens de promoções, em qualquer horário do dia ou da noite?

Como eu disse no início, talvez os números justifiquem o desgaste causado. Talvez as vendas superem a quantidade de pessoas com aversão à marca por sua tática agressiva e invasiva. Ou ainda, talvez seja um pouco do sentimento de matilha – todo mundo faz, então vamos fazer também. Só é entristecedor constatar que as empresas não se importam de ver milhões de pessoas cadastrando os números em todos os canais possíveis, múltiplas vezes, para tentar ter um segundo de sossego – e nem assim conseguindo.

Fica, então, um apelo aos colegas profissionais de comunicação e marketing, e aos empreendedores que cuidam da parte de relacionamento com o cliente da própria empresa: coloquem-se no lugar dos seus clientes. Há várias maneiras de utilizar os dados de contato, iniciar ou continuar uma comunicação, sem ser invasivo ou agressivo. Ficar de olho no ROI é importante, mas as vendas que você perde e os danos à reputação da empresa ocasionados por desrespeitar o cliente são imensuráveis.